Edificação deve ser planejada com diretrizes específicas desde a concepção, empregando soluções seguras de habitabilidade e integradas a um ambiente urbano sustentável
Eventos climáticos extremos deixaram de ser acontecimentos esporádicos. Tornaram-se fenômenos cada vez mais comuns. Enchentes de grandes proporções e incêndios florestais motivados por secas prolongadas estão mais frequentes. Terminam, muitas vezes, com consequências devastadoras para o meio ambiente e as pessoas.
Se a construção civil ainda é devedora, junto com outros setores, de respostas mais efetivas para a redução das emissões dos gases de efeito estufa, terá de lidar agora, também, com os efeitos dessa transformação no planeta.
Um novo termo começa a ser empregado no setor, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo: construção resiliente às mudanças climáticas. Mas, afinal, do que se trata?
O que é uma construção resiliente às mudanças climáticas?
Uma construção resiliente às mudanças climáticas é aquela que se antecipa e se adapta, na medida do possível, aos impactos, por exemplo, de enchentes, da elevação do nível do mar e dos deslizamentos de terra. No passado, as construções focavam em eventos de cheia máxima, as chamadas cheias centenárias. Hoje, no entanto, a resiliência inclui aspectos como conforto térmico e prevenção de crises hídricas, além da análise dos riscos ao selecionar terrenos para incorporação. Ferramentas avançadas permitem prever ameaças relacionadas ao clima em lotes e localidades específicas. Não é simples convencer as pessoas a investirem em soluções preventivas, pois são medidas que, em geral, encarecem o projeto. Mas soluções resilientes podem agregar valor ao produto e contribuir para melhorar o microclima local, especialmente em projetos de smart cities, que utilizam sistemas baseados na natureza para aprimorar o ambiente urbano.
Trata-se de uma questão, portanto, que deve ser avaliada ainda na concepção do empreendimento, na etapa de projeto?
Sim, quanto mais cedo isso for feito, com base em estudos científicos, maior a eficiência. Isso inclui, por exemplo, o uso de materiais com menor pegada de carbono e fachadas com elevada performance térmica. Com as normas de desempenho exigindo, no caso de alguns componentes, uma vida útil de 50 anos, a análise do ciclo de vida dos materiais se torna essencial para se pensar em uma agenda para 2030, 2035 ou 2050. Tecnologias como o BIM (Building Information Modeling) facilitam essa abordagem integrada, pois permitem prever soluções e fornecer informações úteis para o uso e manutenção das edificações.

O que deve ser feito pela construção civil, nos próximos anos, para adequar os produtos ao novo cenário de eventos climáticos extremos? Pode haver mudanças em normas técnicas e nas premissas dos projetos arquitetônicos, estruturais, fachadas etc?
Nos próximos anos, a construção civil precisará se adaptar aos eventos climáticos extremos com uma abordagem mais dinâmica e flexível. As cidades devem ser vistas como estruturas vivas. As leis e normas, muitas vezes rígidas, precisam evoluir para acompanhar as mudanças. A inovação é essencial, mas isso depende de ajustes em processos urbanos, como planos diretores e a colaboração entre diferentes municípios. Há cidades que tem procurado se adaptar, como Campinas, que está criando corredores ecológicos para melhorar o microclima, ou São Paulo, que tem estimulado o retrofit em prédios antigos para revitalizar centros urbanos. Veja a importância de soluções baseadas na natureza como, por exemplo, as cidades esponjas, que absorvem água para prevenir enchentes. Veja também o caso da Flórida, onde as novas construções já são projetadas para suportar furacões. Isso garante maior segurança para os moradores que precisam permanecer em casa durante tais eventos. Não há, entretanto, solução única: são necessárias pequenas ações locais, com a participação de vários agentes, para criar uma cidade mais resiliente e sustentável.
Trata-se de um imenso desafio: fazer com que ações isoladas de cada empresa sejam integradas em prol do coletivo, ou seja, das cidades. Como podemos chegar lá?
Tudo começa no projeto e nas decisões que o envolvem. Pense, por exemplo, em um corte, um desaterro. Ao invés de retirar essa terra e jogar em um aterro sanitário, será que não posso deslocá-la para outro terreno, seja da minha ou de outra empresa, que esteja precisando desse material? Ao fazer isso, já reduzimos a distância média de transporte e, por consequência, a pegada de carbono e o impacto no trânsito local. Existem soluções baseadas na natureza, como os jardins de chuva, capazes de mitigar graves problemas urbanos, como alagamentos e enchentes e, ao mesmo tempo, criar espaços de convivência. Materiais sustentáveis e a busca pela eficiência energética também são muito importantes. Precisamos fomentar a economia circular e o uso de tecnologias inovadoras na construção civil. Mas tudo isso não pode depender apenas de uma empresa ou mesmo de um setor isoladamente. Trata-se de uma ação conjunta de diferentes segmentos. A resiliência urbana está ligada, por exemplo, à saúde pública e à educação, que é essencial para criar uma cultura de sustentabilidade. Sem educação, não promovemos mudanças duradouras na sociedade.
Por Portal AEC Web / Reprodução